
Provavelmente, vocĂȘ nĂŁo deve saber o significado da sigla DART. PorĂ©m, com toda certeza, jĂĄ sofreu ou conhece alguĂ©m que tenha sofrido um acidente de trabalho ou desenvolvido um burnout por causa do ambiente de trabalho. No Distrito Federal, isso Ă© mais comum do que se pode imaginar.
Somente atĂ© o fim de setembro, 12.237 registros de doenças e agravos relacionados ao trabalho (DARTs) foram notificados Ă Secretaria de SaĂșde (SES-DF) — uma mĂ©dia diĂĄria de 45 casos. A maioria estĂĄ relacionada a acidentes de trabalho (9508).
AlĂ©m disso, outras doenças e agravos sĂŁo comuns, de acordo com a psicĂłloga e especialista em saĂșde mental no trabalho Denise Milk. “Destacam-se as LER/DORT (lesĂ”es por esforço repetitivo e distĂșrbios osteomusculares relacionados ao trabalho), o estresse ocupacional, a sĂndrome de burnout, os transtornos de ansiedade e as depressĂ”es reativas ao ambiente laboral”, comentou.
Veja os nĂșmeros do DF:
Segundo a especialista, geralmente, as DARTs aparecem de forma gradual e silenciosa. “Podem ser fruto da exposição contĂnua a condiçÔes adversas, como sobrecarga de trabalho, falta de pausas, posturas inadequadas, metas inalcançåveis, ausĂȘncia de reconhecimento e relaçÔes interpessoais desgastantes”, avaliou.
“Com o tempo, o corpo e a mente sinalizam o excesso — primeiro com pequenas dores, cansaço, irritabilidade — atĂ© evoluir para quadros clĂnicos mais sĂ©rios”, alertou Denise.
Trabalho exaustivo
Foi o que aconteceu com uma trabalhadora do DF, de 33 anos, que nĂŁo quis se identificar, por medo de represĂĄlias. Ela contou que foi diagnosticada com sĂndrome de burnout, depois de um perĂodo muito intenso de cobrança e excesso de tarefas no trabalho.
“Comecei a perceber que algo estava errado quando mesmo descansando eu nĂŁo conseguia relaxar. Tinha crises de ansiedade antes de ir trabalhar, insĂŽnia e uma sensação constante de exaustĂŁo”, relatou. “Foi aĂ que percebi que o problema estava diretamente ligado Ă rotina profissional. Comecei tambĂ©m a desenvolver depressĂŁo, a me cobrar absurdamente”, acrescentou.
Ela disse que tinha todos os sintomas e nĂŁo sabia do que se tratava. “NĂŁo entendia tambĂ©m que o trabalho era tĂłxico. O meu chefe falava do meu corpo, que tinha engordado demais. A outra chefe sĂł passava demandas aos gritos. Era surreal”, recordou.
Quando precisou se afastar, por causa do burnout, ela afirmou que, no inĂcio, foi difĂcil. “Me sentia culpada por ter me afastado. Mas, com o tempo, e com acompanhamento mĂ©dico e psicolĂłgico, entendi que precisava desse tempo para me recuperar”, pontuou.
Retorno complicado
De acordo com a trabalhadora, durante o afastamento, o suporte por parte da empresa foi limitado. “Era basicamente o contato com o RH (recursos humanos) para resolver a parte burocrĂĄtica”, lamentou.
“Na volta, senti falta de um acompanhamento real, tanto da liderança quanto de açÔes voltadas Ă saĂșde mental. Foi um retorno complicado. SĂł fui melhorar depois que troquei de emprego”, afirmou.
Depois da experiĂȘncia ruim, ela disse que passou a reavaliar as prioridades. “Hoje, tento impor limites, cuidar mais de mim e manter um equilĂbrio maior entre vida pessoal e profissional. Ainda Ă© um desafio, mas aprendi a reconhecer os sinais de sobrecarga”, ressaltou.
Espaços seguros
Mestre em desenvolvimento humano pela Universidade de BrasĂlia (UnB), a psicĂłloga Thirza Reis afirmou que o tratamento das DARTs precisa ser integral: corpo, mente e contexto.
“Na prĂĄtica, envolve psicoterapia, acompanhamento mĂ©dico e, Ă s vezes, fisioterapia ou medicação. Mas, o principal Ă© entender que nĂŁo adianta tratar o indivĂduo e manter o ambiente que o adoeceu”, alertou.
Por isso, segundo a especialista, o empregador tem um papel essencial. “Prevenir DARTs nĂŁo Ă© oferecer cafĂ© especial ou um dia de palestra sobre bem-estar. Ă rever a forma como o trabalho acontece”, avaliou.
“Empresas corajosas criam espaços seguros onde as pessoas possam dizer ‘nĂŁo estou bem’ sem medo. Elas formam lĂderes com inteligĂȘncia relacional, capazes de escutar e agir com empatia. E entendem que limite Ă© cuidado, nĂŁo preguiça”, ressaltou a psicĂłloga.
Direitos trabalhistas
AlĂ©m da recuperação plena da saĂșde, uma pessoa que contrai uma doença ou agravo relacionado ao trabalho tambĂ©m tem outros direitos. A advogada especializada em direito do trabalho Rita CĂĄssia Biondo pontuou que, quando o trabalhador adquire uma doença ocupacional — seja profissional (decorrente da atividade em si) ou do trabalho (decorrente das condiçÔes em que o serviço Ă© prestado) — a lei equipara essa situação a um acidente de trabalho.
Segundo a especialista, apĂłs o afastamento, o trabalhador passa a ter diversos direitos assegurados, tanto de natureza previdenciĂĄria quanto trabalhista.
De acordo com a advogada, alguns deles sĂŁo:
– AuxĂlio-doença acidentĂĄrio, pago pelo INSS apĂłs os 15 primeiros dias de afastamento pagos pelo empregador;
– DepĂłsito do FGTS durante todo o perĂodo de afastamento;
– Reintegração ou indenização substitutiva, caso seja dispensado durante o perĂodo de estabilidade, o colaborador pode ser reintegrado ao trabalho ou receber uma indenização desse perĂodo;
– Direito Ă reabilitação profissional pelo INSS, caso fique impossibilitado de exercer sua função original;
– IndenizaçÔes por danos morais, materiais e estĂ©ticos, se houver culpa da empresa.
Para fazer valer seus direitos, segundo Rita, o trabalhador deve comprovar o nexo causal entre a doença e a atividade laboral. “Ă praticamente um passo a passo jurĂdico, começando por laudos e atestados mĂ©dicos que relacionem a doença ao trabalho, solicitar e cobrar da empresa a emissĂŁo da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT)”, explicou.
UrgĂȘncia na ação
Procurada pela reportagem, a Secretaria de SaĂșde informou que os dados de notificaçÔes de doenças e agravos relacionados ao trabalho dos anos de 2024 e 2025 apontam um cenĂĄrio de crescimento expressivo no nĂșmero de registros, “evidenciando a necessidade de maior atenção Ă s polĂticas de prevenção e segurança no ambiente de trabalho”.
“Esses dados nĂŁo apenas evidenciam a magnitude do problema, mas tambĂ©m reforçam a necessidade urgente de ação”, ressaltou a pasta.
De acordo com a secretaria, as iniciativas alinhadas Ă PolĂtica Nacional de SaĂșde do Trabalhador e da Trabalhadora, com foco em açÔes educativas, fiscalização e promoção da saĂșde no ambiente de trabalho foram intensificadas. “Essas medidas visam proteger a saĂșde dos trabalhadores, prevenir riscos e garantir condiçÔes adequadas para o exercĂcio de suas funçÔes, conforme preconizado pela polĂtica nacional”, afirmou a nota.
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